Quando eu morrer, diga à criança que virei estrela. Diga pra inocência que fui pro céu brincar com Deus, e que ela não saiba jamais que, até o último suspiro que me restou (naquela noite que virá), tive amigos imaginários, muito mais imaginados do que amigos. Enquanto ela chorar doce e profundamente, diga à criança que esse mundo não me cabia, e deixe-a guardar os brinquedos no baú para economizar espaço. Economia é a doença do século, e não a depressão. Quando ela perguntar por mim, diga à criança que fui viajar.
Quando eu morrer, diga aos velhos que fui feliz. Diga aos velhos que fui em paz, para que enterrem o caixão em silêncio, para que consolem os ombros em profunda gratidão, Diga aos velhos que fui porque simplesmente tive que ir, e poupe as auto-ajudas e os conselhos melodramáticos. Faça-os senhores de si, donos do conhecimento mortuário do mundo inteiro, faça-os escreverem discursos e inaugurarem o pretinho básico, para que eu não fuja do padrão. Economize também o trabalho do coveiro. Não é fácil segurar o riso em situações solenes. Pelo menos eu nunca consegui me manter hipócrita num enterro desconhecido. Triste vergonha. Questão de falta de educação. Morri tão jovem, merecia tanto respeito, tanta admiração… Ai de mim.
Quando eu morrer, diga ao meu corpo raso que ele já foi dessa pra melhor. Deixe que eu durma, que eu tire folga e que eu me demita, Diga ao meu corpo que gastei minha bala à toa, mas em dois ou três meses, quem sabe eu estivesse viva ainda. Diga ao meu corpo gélido, que não há cadáver mais vivo, e diga aos presentes tristes, que não houve vida mais morta, para que eu perca satisfeita o gosto de viver. Escreva na minha lápide que o jogo acabou. E eu consegui.
Vamos passar de fase e zerar a vida, porque ainda não sei abandonar o que comecei. E a destruição é um vício que eu ainda não consegui finalizar.
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